Alimentação saudável vs população mundial: O mito do impossível.
- jardinsmanaca
- 10 de mar. de 2017
- 7 min de leitura
Alimentação saudável vs população mundial: O mito do impossível.
Fábio Ferraz 10/03/2017

(fonte: http://www.portaloaca.com/articulos/mundo-natural/10748-devastacion-de-la-tierra-monocultivo-agrotoxicos-megamineria-fracking-energia-nuclear.html)
Mesmo que de maneira ousada, este texto tentará sistematizar de maneira extremamente abreviada, a possibilidade da produção de alimentos saudáveis para o conjunto da população mundial assim como a necessidade inerente de modificação do atual sistema de produção agropecuário brasileiro e o papel fundamental de estudantes e profissionais que atuam na área da Agronomia para esta resolução. Sobre tudo, desejo a todos uma boa leitura e que a mesma proporcione dúvidas, críticas e ideias para a difusão de uma Agroecologia que contraponha na prática a agricultura convencional.
A Universidade e o peso do conhecimento
A universidade, como centro de referência no desenvolvimento de tecnologia e conhecimento, possui papel fundamental na formatação da estrutura social estabelecida na sociedade atual. A universidade é reflexo da sociedade, assim como a sociedade é um reflexo da universidade. Um contribui na manutenção do outro funcionando como um todo, em um processo dialeticamente construído. Entender este elemento básico é fundamental para a futura compreensão do verdadeiro papel que deve cumprir a profissionalização em Agronomia, e que será abordado ao final deste texto.
Atualmente, é de conhecimento global que, a necessidade de se produzir alimentos saudáveis para o consumo da população mundial, eliminar a contaminação da água, solos, ar, fauna, flora, seres humanos devido ao uso de agrotóxicos, e promover sistemas de produção de caráter sustentável é uma necessidade concreta da agropecuária mundial. Não obstante, o Brasil, pelo seu atual porte agroexportador, segue ainda mais pressionado, pois estas práticas agrícolas continuam gerando problemas sociais e ambientais em grande parte do território brasileiro.
Fica a cargo das áreas de conhecimento que permeiam este ciclo de produção - principalmente os cursos de Agronomia, Agroecologia, Engenharia Florestal e Zootecnia - encontrar ferramentas e estratégias para atingir esta demanda de reformulação de todo o sistema produtivo pelas quais são regidas as áreas agrícolas no Brasil.
É possível um novo modelo de produção?
Na busca por esta alternativa, estudantes, professores, agricultores e comunidades tradicionais, desenvolveram uma maneira de introduzir a modernização necessária para esta produção sustentável e que contribua para a melhoria da qualidade de vida das famílias envolvidas, desde a produção até a mesa do consumidor.
A agroecologia - ciência que se encontra em permanente movimento, aliando conhecimentos empíricos de antigas comunidades e povos tradicionais à ciência moderna e o conhecimento desenvolvido na academia – tem permitido aos incorporadores destes novos preceitos de se fazer agricultura, excelentes resultados, demonstrando o potencial agroecológico em pequena e grande escala.
Apesar de compreendermos a Agroecologia como “uma ciência em permanente movimento”, precisamos definir minimamente como entendemos a Agroecologia para não cairmos em vícios e reducionismos que, muitas vezes são utilizados através das redes de comunicação por diversas empresas ou ambientalistas, e que não representam a corrente política que circunda a Agroecologia com real compromisso com o meio ambiente e com a classe trabalhadora.
Muito além de boas práticas e eliminação de insumos químicos, a Agroecologia deve englobar e integrar toda a cadeia produtiva, estreitando relações entre produtores e consumidores, eliminando atividades empregatícias que exploram a mão de obra, promovendo um ambiente com igualdade de gênero e respeito às opções sexuais, e gerando sustentabilidade nos agroecossistemas de modo a compreender a importância de sua manutenção para as futuras gerações.
Os valores resgatados pelo modo agroecológico de produzir, são os requisitos essenciais para promoção das mudanças em nosso modelo de produção agrícola. Demanda esta, esclarecida por grandes organizações como Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Nacional do Câncer (INCA), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e principalmente os movimentos sociais do campo (Movimento de Mulheres Campesinas, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento dos Atingidos por Barragens) que estão diariamente em contato com esta agricultura degradante que temos hoje, sendo os pioneiros na promoção da Agroecologia como um novo paradigma de produção.
Agroecologia como alternativa ao atual modelo de produção
Qualquer tecnologia na agricultura deve ser capaz de contemplar qualquer escala. Pensar sistemas produtivos e sustentáveis deve envolver diretamente a compreensão de que, independente do tamanho da atividade, a eficiência produtiva deve permear a necessidade da escala humanitária mundial.
Não podemos esquecer que aproximadamente um bilhão de pessoas em todo o mundo, passam fome em pleno séc. XXI. Isto não significa dizer que faltam alimentos, pois já é sabido que 30% de toda a produção agrícola é perdida apenas com transporte, a exemplo de alimentos in natura que viajam mais de 4 mil km para chegar a mesa do consumidor. Pensar a produção de alimentos no mundo deve contemplar não apenas uma questão quantitativa, mas principalmente deve-se considerar o gasto energético desprendido da produção ao consumo.
Pensar em uma Agroecologia que consiga contrapor a lógica atual do agronegócio significa pensar em uma agroecologia que se equipare ao potencial produtivo da agricultura convencional, com todas as beneficies geradas pela ciência agroecológica, e estes exemplos já existem, mas muitos não querem ou “não enxergam” a necessidade e a potencialidade da Agroecologia em larga escala.
Difundir a ideia de que a produção em larga escala só funciona da forma convencional, e a produção agroecológica só funciona para o pequeno produtor, cria uma falsa possibilidade de coexistência, onde a Agroecologia fica com o pequeno para sua manutenção geracional no campo, enquanto que o modelo convencional torna-se uma crença de possibilidade única na produção de alimentos em larga escala.
Esta falsa possibilidade de coexistência pacífica entre o grande convencional e o pequeno agroecológico, apenas contribui para o apaziguamento da rebeldia necessária para contrapor este modelo atual, tendo em vista que os dois modelos de produção são antagônicos e inviáveis de coexistirem pacificamente.
A Agroecologia enquanto busca descentralizar a produção e, possui seu compromisso voltado á produção de alimentos saudáveis sem a exploração dos trabalhadores, a agricultura convencional busca concentrar cada vez mais os meios de produção favorecendo exclusivamente as empresas químicas e de sementes, expulsando cada vez mais os produtores do campo devido ao endividamento pelo crescente aumento nos preços de sementes e insumos químicos.
As feiras agroecológicas são fundamentais na difusão da cultura camponesa e dos valores coletivos que envolvem a cadeia produtiva, resgatando a solidariedade e os saberes camponeses, ampliando as relações entre produtores e consumidores e contribuindo na conscientização sobre os malefícios da agricultura industrial convencional, devido a grande quantidade de agrotóxicos presentes nos alimentos convencionais. Porém, em momento algum, estas devem ser consideradas como instrumentos que contraponham a cadeia produtiva da agricultura convencional em larga escala. Se a Agroecologia não trouxer consigo a necessidade da escala, então infelizmente ela não nos servirá para contrapor o atual modelo de produção.
O que queremos dizer é que a Agroecologia surge intrinsicamente como uma demanda para solucionar os problemas da agricultura do séc. XX após a modernização conservadora da agricultura (a qual muitos ainda chamam erroneamente de revolução verde). A Agroecologia não surge da vontade pessoal de uns ou outros, mas sim da necessidade gritante de resolver os problemas da falta de alimentos limpos em escala humanitária, da degradação massiva do meio ambiente e da concentração cada vez maior dos meios de produção que promovem a exploração do trabalho e a desigualdade social.
Sendo assim, os elementos fundamentais que devem ser abordados são as relações sociais nas quais se perpetuam as relações de produção. A exemplo do nosso Brasil, a concentração de terra nas mãos de grandes oligopólios tem promovido a desigualdade social, a exploração da mão de obra dos trabalhadores, degradação ambiental e o compromisso exclusivo em gerar lucros as empresas de insumos químicos e de sementes patenteadas.
As grandes mudanças começam nas pequenas ações ...
Mudar o sistema de produção existente hoje é a informação que as universidade se negam a passar para os estudantes. Isso porque – como abordado no início do texto – as universidades possuem um formato atual que serve exclusivamente para manter a lógica de produção e de mercado na sociedade a qual se assenta, desenvolvendo tecnologias voltadas para o enriquecimento pessoal e não o desenvolvimento da nação.
Aos profissionais da área é preciso a compreensão de duas coisas fundamentais, as quais condicionarão as decisões quando estiverem atuando enquanto profissionais na área das agrárias:
Primeiro compreender as potencialidades da Agroecologia, e perceber que para nada na vida, existe uma receita pronta. A Agroecologia dos dias de hoje, já conseguiu avançar em muitas técnicas que, há alguns anos atrás, era visto como impossível. O conhecimento presente hoje a respeito da dinâmica do solo, atividade biocenótica, interação dos microrganismos do solo, manejo integrado de pragas, práticas de não revolvimento do solo, cobertura, dinâmica de populações, ecologia, dentre tantos outros, nos dá as ferramentas necessárias para continuar pesquisando e desvendando os mistérios ainda presentes na produção limpa e sustentável de alimentos com respeito, igualdade social e coletivização dos meios de produção.
Em segundo, compreender que os profissionais das agrárias são os responsáveis por gerar estas mudanças, pois lidam diretamente com os meios de produção de nosso país. Não atoa os currículos de Agronomia estão cada vez mais fragmentados, com retiradas de atribuições e eliminação de disciplinas que buscam enfatizar o contexto social de nossa profissão. Tudo isso cumpre o papel de formar, cada vez mais, um profissional com reduzido senso crítico, sem perspectiva de mudanças da lógica regente, voltado exclusivamente para a competitividade de mercado.
O conhecimento científico e cultural que temos - como abordado ao longo do texto - já nos permite promover as mudanças necessárias para o fim da exploração do trabalho e para o fim da degradação humana e ambiental, e produzir alimentos com alto potencial produtivo. Cabe a nós, população em geral, estarmos organizados para reivindicar perante o poder público o cumprimento da Lei como a democratização do acesso a terra, o banimento do uso de agrotóxicos no território brasileiro, a preservação ambiental e a inclusão social através da estatização de grandes empresas agrícolas com controle da produção nas mãos de trabalhadoras e trabalhadores.
Fábio Ferraz, sócio da empresa MANACÁ Jardins, é engenheiro agrônomo formado pela UFSC e trabalha com a Agroecologia como base para as soluções ambientais sustentáveis.
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